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Hoje, dia 27 de Março, homenageamos Millôr Fernandes.

Millôr Viola Fernandes (Rio de Janeiro, 16 de agosto de 1923 — 27 de março de 2012).

Millôr, foi um desenhista, humorista, dramaturgo, escritor, poeta, tradutor e jornalista brasileiro.


Ainda jovem começou a trabalhar na redação da revista O Cruzeiro, iniciando precocemente uma trajetória pela imprensa brasileira que deixaria sua marca nos principais veículos de comunicação do país.

Em seus mais de 70 anos de carreira produziu de forma prolífica e diversificada, ganhando fama por suas colunas de humor gráfico em publicações como Veja, O Pasquim e Jornal do Brasil, entre várias outras.

Em seus trabalhos costumava valer-se de expedientes como a ironia e a sátira para criticar o poder e as forças dominantes, sendo em consequência confrontado constantemente pela censura. Dono de um estilo considerado singular, era visto como figura desbravadora no panorama cultural brasileiro, como no teatro, onde destacou-se tanto pela autoria quanto pela tradução de um grande número de peças.


Vida:

Filho do imigrante espanhol Francisco Fernandes e da brasileira Maria Viola Fernandes, Millôr nasceu em 16 de agosto de 1923 no subúrbio carioca do Méier.

Por descuido dos pais só acabou registrado quase um ano depois, tendo como nome de batismo Milton Viola Fernandes e data de nascimento oficial o dia 27 de maio de 1924. No ano seguinte, Francisco, então com 36 anos, morre subitamente, ficando Maria com a tarefa de criar sozinha os filhos Milton, Hélio, Judith e Ruth.

Millôr quando criança.

Apesar de praticamente um bebê à época da morte do pai, Millôr gravou a lembrança de “um homem bonito, bem vestido, que vivia se fotografando” (era dono de uma casa de fotografia na Rua Larga) e que “acordava a família patriarcalmente todas as noites para saborearmos salames e queijos”.

O impacto financeiro da morte é significativo para a família de classe média; sua mãe, então com 27 anos, é obrigada a alugar uma parte do casarão no Méier, e passa a trabalhar como costureira. Não obstante, começam a enfrentar sérias dificuldades.

Millôr considerava o dia 15 de março de 1938 como o início de sua profissão de jornalista; foi quando passou a trabalhar na revista O Cruzeiro. Atribuiu o mérito a seu tio Armando Viola, então chefe da seção de gravura da publicação.

Foi ser contínuo, repaginador e factótum – sendo a mistura de falta de experiência com o acúmulo de funções justificada pela ausência de pessoal especializado na redação, então uma sala de 100 metros quadrados ocupada por ele e mais duas pessoas, o diretor Antônio Accioly Netto e o desenhista Edgar de Almeida.

No começo da década de 1940, O Cruzeiro, implementando uma reforma editorial, começa a trilhar o caminho de sucesso que resultaria numa das maiores tiragens da história editorial brasileira.

Millôr continuava fazendo seus versos, e logo voltaria à carga sob o pseudônimo Vão Gogo, estreando em 1945 a seção “O pif-paf” em parceria com o cartunista Péricles.

No ano seguinte lança Eva sem costela — Um livro em defesa do homem, assinando como Adão Júnior. No começo de 1948 viaja aos Estados Unidos como correspondente, encontrando-se com Walt Disney, Carmen Miranda, César Lattes e Vinicius de Moraes. De volta ao Brasil, casa-se com Wanda Rubino.


Morte:

No início de fevereiro de 2011, Millôr foi internado na clínica São Vicente, no Rio. A pedido da família, a assessoria de imprensa do local não revelou nem a data nem a razão da internação. O quadro de saúde de Millôr tampouco foi divulgado.

Questionada pelos fãs, a equipe responsável pelo Twitter do escritor respondeu em meados do mesmo mês que ele estava “melhorando lentamente”, mantendo a postura de não entrar em detalhes a respeito do que levou à internação.

Dois dias depois, em 18 de fevereiro, é revelado que Millôr sofrera um acidente vascular cerebral isquêmico. Inconsciente, fora mantido até então no CTI, mas com a melhora no quadro de saúde foi retirado dos aparelhos de respiração e transferido para um quarto intermediário.

Ele passa os cinco meses seguintes internado, recebendo alta no dia 28 de junho. Dois dias depois de ir para casa, volta a se sentir mal, sendo internado na Clínica de Saúde São José, onde permanece outros cinco meses.

Durante todo esse período de saúde fragilizada a família fez o possível para preservar a intimidade de Millôr, postura que ele sempre adotou em relação à sua vida pessoal.

A discrição foi mantida até os momentos finais. Às nove da noite do 27 de março de 2012, Millôr morre em seu apartamento em Ipanema, em decorrência de falência múltipla dos órgãos e parada cardíaca; o fato só é divulgado à imprensa por seu filho Ivan no dia seguinte.

Sob grande comoção de figuras públicas, o corpo é velado na manhã do dia 29 no Cemitério Memorial do Carmo, e à tarde cremado em cerimônia restrita a cerca de 40 pessoas no Cemitério do Caju, no Rio de Janeiro.


Curiosidades:

Com passagem marcante pelos veículos impressos mais importantes do Brasil, Millôr é considerado uma das principais figuras da imprensa brasileira no século XX.

Multifacetado, obteve sucesso de crítica e de público em todas os gêneros em que se aventurou, como em seus trabalhos de ilustração, tradução e dramaturgia. Não se intimidava em usar esses meios para desafiar os valores dominantes e poderes estabelecidos, com críticas consideradas ao mesmo tempo severas e permeadas por um humor inteligente.

Além do sucesso nas áreas literária e artística, orgulhava-se ainda de sua atuação desportiva, julgando uma de suas principais idealizações a co-criação do frescobol.

Millôr considerava-se um “atleta frustrado”. Durante muito tempo conservou o hábito de correr todos os dias na praia às seis da manhã, prática que em seus últimos anos substituiu por uma caminhada de 40 minutos.

Foi ainda praticante de natação e de luta (sendo inclusive aluno de Hélio Gracie no começo da década de 1950), e entre os feitos desportivos de que se orgulhava estava o título de vice-campeão mundial de pesca ao atum, conquistado em 1953 na Nova Escócia. Outro fato marcante foi a invenção do frescobol, implementado por ele e outros colegas na praia de Ipanema em 1958.

Dono de uma vasta produção literária, o estilo de Millôr advinha de uma atenção particular aos fatos cotidianos – interpretados sob a ótica de um humor refinado – onde muitas vezes formas e referências eram retrabalhados para dar vazão ao discurso humorístico.

No entanto, esse não era sempre seu foco; em certa ocasião, perguntado se gostaria de ser chamado de humorista ou escritor, optou pelo último: “Ninguém é humorista o tempo todo. E eu, na maior parte das vezes, não sei se estou escrevendo coisa engraçada ou não engraçada”.

Millôr em 1998.

Da visita que fez aos Estados Unidos em 1948, Millôr trouxe na bagagem a influência de Georg Grosz, assim como de Saul Steinberg, ambos lendários cartunistas americanos.

Teve exposições dedicadas a sua arte visual no Museu de Arte Moderna em 1957 e 1977, sendo ainda um dos primeiros artistas gráficos brasileiros a usar o computador para suas criações.

Apesar de não ter completado o curso que fez no Liceu de Artes e Ofícios do Rio, os quatro anos que passou na instituição foram suficientes para refinar um estilo considerado singular, cuja criatividade e virtuosismo, de acordo com o estudioso Pedro Corrêa do Lago, “marcou profundamente todos os ilustradores e caricaturistas do país desde a década de 50”.

No teatro, Millôr foi responsável por uma série de comédias que mostram com ironia os problemas diários do carioca, sendo Um elefante no caos considerada por críticos como Bárbara Heliodora uma das mais brilhantes. Mais tarde, durante a ditadura e sob o escrutínio da censura, fez suas famosas colagens, textos compostos por vários esquetes que apresentavam críticas ao panorama do Brasil de então.

Voltando à forma dramatúrgica convencional, cria a peça É…, considerada sua comédia mais amadurecida e bem construída, que alcança grande êxito de público e crítica.

A tradução representou uma vertente significativa da produção teatral de Millôr, e seu trabalho foi considerado o melhor e o mais importante do teatro brasileiro.

Verteu para o português um total de 74 obras, entre elas Hamlet, de Shakespeare, O jardim das cerejeiras, de Tchekov, Assim é se lhe parece, de Pirandello, e Antígona, de Sófocles.

Suas adaptações de expressões de outros idiomas foram descritas como verbalmente virtuosas e criativas, e por vezes sua interferência na escrita original chegava quase que a recriar. A esse respeito costumava dizer que, “ao traduzir, é preciso ter todo rigor e nenhum respeito pelo original”.


– Leonardo Assem ♦

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